28/06/2009

Cena de rua


A luz do sinal estava vermelha novamente. Ele tinha que vender todos aqueles doces em suas mãos antes que o dia terminasse. Odiava ter que implorar cada motorista para ouvir o que tinha a dizer repetidamente como uma oração. Alguns motoristas sorriam para ele e compravam os doces, mas muitos outros o tratavam rudemente como se ele fosse um ladrão. Há outros meninos e meninas vendendo diferentes coisas e era quase uma luta para ser o primeiro a escolher um rosto simpático. Era difícil encarar o calor do sol, entretanto, seus pés descalços estavam acostumados a andar no chão escaldante. O clímax de sua agonia era voltar para casa com a caixa cheia de doces. Seus pais o espancariam alegando que não tinha tentado vendê-los e passado a tarde toda brincando. Era maravilhoso ir à escola pela manhã, e ele sabia que isso só acontecia porque, um dia, uma mulher elegante disse aos seus pais para fazer a sua matrícula. Ele lembra dela como um anjo que veio à Terra para lhe dar felicidade. Quando alguma coisa parecia ir errado, ele rezava para ela. Seus colegas de classe não o olhavam de uma forma diferente por causa de sua pele escura. Ele não entendia porque pessoas o consideravam diferente já que se sentia feliz, triste, furioso, como todos se sentem. Não importava...ele tinha muitos amigos e uma professora que o tratava bem. Ela dizia que ele era um bom estudante, mas que precisava estudar em casa. Quando ele explicou sua situação, ela ficou zangada e quis chamar seus pais. Ele assegurou que nada poderia ser mudado. A luz do sinal estava vermelha novamente. Ele sentiu que estaria vermelha para sempre em sua vida. A poeira da rua parecia cobrir seu coração, seu corpo; e ele transformar-se-ia em uma estátua de pedra. Ele desejou que seu amado anjo pudesse aparecer e carregá-lo para um outro lugar, onde as crianças talvez fossem felizes. Entretanto, a luz do sinal estava vermelha e ele tinha que vender um doce para uma mulher enfurecida que o tinha chamado várias vezes de "neguinho preguiçoso".

Autoria: Ana Maria Pupato - 1989

(Uma homenagem a todos os alunos sofridos que passaram por minha vida e que foram sentidos como se fossem meus filhos.)

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